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Uma inclusão da boca pra fora

  • Foto do escritor: Beatriz Paranhos
    Beatriz Paranhos
  • 28 de mai.
  • 9 min de leitura

Atualizado: 2 de jun.

Uma educação que ainda não é tão inclusiva para pessoas com deficiência visual.


Foto: Eren Li / Pexels
Foto: Eren Li / Pexels

Por Beatriz Paranhos*


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Há inclusão na formação educacional de pessoas com deficiência visual? De acordo com o Censo Escolar 2023, 1,6 milhão de alunos da Educação Especial frequentam escolas regulares em classes tradicionais. Os números são consideráveis, mas, será que a inclusão realmente acontece?


É simples, em 2025, quantas pessoas com deficiência visual você percebe nos ambientes em que convive? Quantas pessoas que você conhece possuem deficiência visual? Você estudou/estuda com algum indivíduo cego ou pessoa com baixa visão?


A presença de pessoas com deficiência visual em ambientes comuns tem sido significativa, mas a sociedade ainda não está preparada para o que deveria já ser intrínseco à população, sobretudo na educação.


A Revista Caderneta fez um levantamento por meio das grades dos cursos de Pedagogia oferecidos na cidade de Salvador disponibilizadas nos sites das faculdades. Com isso, foi possível notar que não há uma disciplina específica para a educação de deficientes visuais. Sendo, no máximo, possível encontrar matérias voltadas para uma educação especial, que se generaliza no seu preparo dentre as tantas segmentações que esta disciplina pode ofertar.


Assim, como acontece o processo de educação em escolas regulares se não há preparo dos professores para que esta inclusão seja realizada pelo sentido da palavra incluir, que segundo o dicionário Michaelis: Pôr dentro de; inserir(-se); juntar(-se) a, recontar-se; fazer parte de um grupo ou de um todo; juntar(-se); e não apenas “da boca pra fora”?

 

A falta ainda era maior


Em muitas sociedades, a ausência de visão total ou parcial era vista como desgraça e, em algumas culturas, como maldição dos deuses. Com isso, a aceitação e um entendimento minimamente humano sobre a deficiência visual foi se estabelecendo de forma bem lenta e tardia no corpo social.


No Brasil, os primeiros passos para uma inclusão desta parte da população na formação educacional aconteceram em 1854, com a fundação do Imperial Instituto de Meninos Cegos, que de lá para cá já passou por muitas mudanças – em sua estrutura e na forma como se identificava.


Ainda em atividade, reconhecido agora como Instituto Benjamin Constant (IBC), oferta atividades para o desenvolvimento educacional. E, segundo o próprio site do IBC, este “mantém uma escola especializada federal, ligada ao Ministério de Educação (MEC). Oferece gratuitamente atendimento médico oftalmológico aos seus alunos e à população em geral, em virtude do Programa de Residência Médica em Oftalmologia”, ainda que com vagas limitadas.

Fonte: Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (CETAM).
Fonte: Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (CETAM).

Alguns outros institutos e organizações foram ocupando os espaços nacionais a favor de uma educação de excelência para pessoas com deficiência visual. Além de leis e cursos que visam o direito da educação para toda e qualquer pessoa de forma palpável, ainda que não seja o suficiente para uma inclusão efetiva.


Braille, necessário?


A Universidade de Brasília (UnB), em 2015, realizou uma pesquisa que aponta que 74% da população com deficiência visual no Brasil é analfabeta. Com isso, nota-se a carência de uma formação com qualidade, caso tenha ainda tido o mínimo que uma educação pode oferecer.


A alfabetização de pessoas com perda total ou parcial da visão, segundo o material de “Atendimento Educacional Especializado – Deficiência Visual”, disponibilizado pelo Ministério da Educação (MEC), em 2007, se desenvolve das mais variadas maneiras, sendo a individualidade de cada estudante com deficiência visual a prioridade.



O uso de técnicas e aparatos tecnológicos que priorizem os outros sentidos é importante para uma melhor absorção do conhecimento. Além de técnicas que facilitam a percepção e autonomia destes cidadãos, como o braille ­­sistema tátil que facilita o processo de leitura e escrita de pessoas com deficiência visual.


Lucas Teles, que perdeu a visão aos 4 anos e hoje é advogado, relata que o seu processo de alfabetização foi fluído. Isso aconteceu justamente pela perda de visão quando muito novo, antes mesmo de se alfabetizar de forma tradicional. E, especialmente, pela adesão do braille, como mola propulsora para um melhor aprendizado. Lucas estudou em escolas regulares. Mas, tinha uma professora especializada acompanhante, que o auxiliava em todo o seu processo até a 4ª série.


“A minha alfabetização foi com 8 anos em braille, em 1995 [...]. Meu processo de braille foi paralelo a tudo que eu aprendia na escola [...] aprendia hoje as fórmulas de química na escola, então ia aprender elas em braille também para responder as provas, exercícios e fazer os vestibulares futuros [...]. A minha formação já foi em braille, então a parte principal, por assim dizer, já foi, ali, durante a alfabetização [...]. Qualquer coisa que eu precisava escrever em braille, eu tinha que recorrer a professora que estivesse me acompanhando [...]. O meu processo de alfabetização foi todo em braille, as minhas provas eram respondidas em braille e vinham em braille, transcritos pela professora acompanhante”, relata Lucas.

O advogado Teles ainda acrescenta:


“Inclusive, não acho que o braille esteja obsoleto, porque ele facilita, permite que a pessoa com deficiência visual tenha o seu primeiro começo importantíssimo no campo da leitura [...]. E, ainda que esses modais digitais facilitem o acesso, dificilmente você vai fazer a leitura parando para ver a ortografia das palavras e a pontuação. O braille faz com que a leitura não seja só receber o conteúdo, mas perceber todas essas nuances: de entender o texto, ver as ortografias e perceber o tipo de escrita e aprender ele”.

Por mais que o estudo com o braille seja um instrumento de acessibilidade, inclusive na educação, a alfabetização não precisa ser só realizada desta forma.


Amanda Ferreti, também advogada e deficiente visual, nos mostra outras possibilidades de viver com qualidade sem o conhecimento do braille. Ao conversar com a nossa revista, Amanda nos relata que teve a sua formação em escolas tradicionais e sem um professor especializado acompanhante. Não havia preparo e a inclusão era praticamente inexistente, mas ainda assim, a sua alfabetização e formação aconteceram em instituições tradicionais.

Foto: Arquivo Pessoal
Foto: Arquivo Pessoal

“A relação com os professores foi normal, não tinha muita adaptação naquele tempo (anos 90). Os textos eram ampliados e a prova também, mas, fora isso, não fazia mais muita coisa. Eu respondia as provas em tinta e letra de forma. Não aprendi braille”.

Hoje, ela tem seu dia a dia compartilhado com o seu cão guia, que a auxilia em todos os passos que dá. 




Incluir é esperar por um interesse individual?


Não há inclusão, porque ela só acontece quando alguém a procura. Dando espaço a subjetividade, quando um grito de socorro escapa da sua bolha e atravessa outra.


A Revista Caderneta consultou cinco professores – da Educação Infantil ao Ensino Médio – e, todos eles, já tendo tido experiência com deficientes visuais ou não, afirmam a falta de preparo para atender pessoas com perda total ou parcial da visão em suas formações.


“A inclusão da pessoa com deficiência visual na escola de ensino regular revela muitos desafios para programarmos práticas pedagógicas adequadas, uma vez que, na nossa realidade educacional, somos despreparados para atender às pessoas com deficiência visual. Mas, sempre, acreditei que devemos sim, receber alunos com quaisquer deficiência, pois são desafios que devemos superar na prática com estudo e amor”, declara Eliana Maia, educadora infantil.
Foto: Pixabay / Pexels.
Foto: Pixabay / Pexels.

É inegável a presença de cursos para aprofundamento na área de educação especial direcionada para deficientes visuais. No entanto, se é preciso que o educador busque especialização para incluir um cidadão no sistema educacional, que inclusão é essa?


Criada em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), de nº 13.146, segundo o veículo oficial do Planalto, garante – burocraticamente : “condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”.


A Lei Brasileira de Inclusão é um grande avanço, mas é preciso formação de professores e, principalmente, lutar contra o Capacitismo, que é um crime previsto em lei, que se configura como o preconceito contra a pessoa com deficiência e que pode se manifestar em atitudes, práticas, tratamentos, formas de comunicação, barreiras físicas e arquitetônicas, que impedem o exercício pleno da cidadania dessas pessoas. É a crença, muitas vezes inconsistente, de que as pessoas com deficiência são inferiores ou incapazes por causa da sua condição, afirma Carla Beraldo, idealizadora do Protocolo Reverta Acessibilidade; jornalista pela PUC de Campinas; pesquisadora no nicho de acessibilidade; e membro do Grupo de Jornalismo Online da UFBA (GJOL).

Isso é lei no Brasil, mas o cumprimento das determinações legais ainda é muito deficitário, acrescenta Carla.

E é justamente por entender a necessidade de se incluir, ainda que com a ausência de instrução, que a professora de Língua Portuguesa, Ionara Sampaio nos relata seu desespero quando lidou com a educação de uma pessoa cega em sua carreira:


“Eu tenho dezoito anos de sala de aula e nesse período todo eu só tive uma aluna com deficiência visual total. Foi uma sensação, para mim, terrível, eu me senti muito limitada, porque eu não me sinto preparada pra lidar [...]. Ainda bem que ele era um aluno muito ativo, então eu usava da oralidade, conversava com ele um monte. Mas, por exemplo, não consegui realizar nenhuma atividade de prática escrita com ele [...], isso foi na rede estadual”.

“Eu penso que a formação profissional de educação ainda precisa ser repensada. Ela precisa nos oferecer uma musculatura muito mais ampla [...]. Esse profissional da educação não vai dar conta de toda essa rede de necessidades aplicadas. Até de você saber decodificar o que é o Capacitismo. Eu acho que a gente ainda está engatinhando, né? E nós enquanto profissionais da educação ainda temos uma formação muito limitada”, declara Engelis Feijão, professor das Artes.

“Então, quando tem algo que sai um pouco dessa rede que a gente tem um suposto domínio, parece que nossas entranhas ficam para fora. E todas essas fraturas quando estão expostas, parecem que saem com muito mais força e, de alguma forma, nos deixa até certo ponto, inseguros, quanto a esta condição de dar ao outro a dignidade necessária nessa formação humana, que decorre do ambiente escolar”, conclui o educador Feijão.

Portanto, a inclusão precisa dar seus primeiros passos nas grades curriculares dos cursos de pedagogia e licenciatura. Afinal, a educação de qualidade é um direito de todos.


A educação é só uma parte


A educação é o primeiro passo para que a inclusão aconteça. E detalhe, para que ela funcione de maneira verdadeiramente inclusiva, não é só a formação para pessoas com deficiência visual que deve acontecer, mas a inclusão dessa consciência e, especialmente, prática de um olhar mais humano e não visto como estranho sobre o outro.


Um exemplo de que a realidade, mesmo que devagar, tem agregado aos poucos é com os dispositivos tecnológicos e os recursos de acessibilidade tem auxiliado na inclusão de pessoas cegas ou com baixa visão.


“Hoje já está muito mais comum, mas, até pouco tempo atrás e ainda existe...Essas salas de consultório médico e hospitais, o painel, onde é anunciado a senha da pessoa. Em bancos também. Ele, até pouco tempo, era só visual, agora que muitos deles já tem um painel sonoro. Então, ele produz em áudio o número da senha; informa se é de prioridade ou não; fala o nome da pessoa. Mas, até pouco tempo era apenas visual. E como uma pessoa com deficiência visual, com autonomia, ir para um local como esse? Não teria condição. Então, eu já tive alguns embates com locais deste tipo [...] vocês precisam chamar a pessoa, especialmente se ela se identificar com deficiência visual ao chegar”, menciona Lucas Teles.

Foto: Capixaba News / Prefeitura Municipal de Linhares.
Foto: Capixaba News / Prefeitura Municipal de Linhares.

Os caminhos para inclusão já foram abertos, mas a consciência para que a inclusão aconteça não. Afinal, a inclusão não deve ser algo a parte e sim, algo orgânico e intrínseco as práticas da sociedade, o que ainda não acontece como deveria.


Por enquanto, leite se tira de pedra


Enquanto a inclusão não acontece de forma efetiva, há instituições e cursos que auxiliam no processo de inclusão e, sobretudo, desenvolvimento de pessoas com deficiência visual.


  • Instituto de Cegos da Bahia: Telefone: (71) 3242-1073

  • Associação Baiana de Cegos: WhatsApp: (71) 98673-6488 | 3328-0661

  • Setor Braille na Biblioteca Central do Estado da Bahia: (71) 3277-3272


São poucos os pilares para os caminhos da inclusão e de uma maior autonomia das pessoas com deficiência visual. Com isso, o contato com estas instituições, por vezes, é difícil, já que a procura é muito grande e atender a todos com rapidez não se torna viável.


Foi possível encontrar nos comentários de algumas recentes postagens no Instagram do Instituto de Cegos comentários de usuários agradecendo ao apoio que o Instituto dá; e, também de pessoas que tentam a comunicação com o estabelecimento, mas que ainda não conseguiram.


Comentários de publicações do perfil do Instituto de Cegos da Bahia (printados).
Comentários de publicações do perfil do Instituto de Cegos da Bahia (printados).

A equipe do Caderneta também buscou por contatos para visitação e/ou entrevista com os estabelecimentos acima, tendo alguns retornos breves, ainda que não palpáveis para serem utilizados neste artigo. Em destaque, a revista obteve várias tentativas sem sucesso de diálogo mais próximo com o Instituto de Cegos durante quase um mês de contato com o instituto, com a resposta de um e-mail com uma possibilidade de maior proximidade no dia 27 de maio. Acreditamos que a demora da atenção tenha sido pela sobrecarga de solicitação de atendimentos.

 

Glossário


Cego: Pessoa com perda de visão total.

Deficiente Visual: Pessoa com perda total ou parcial da visão.

Capacitismo: Prática de preconceito e/ou discriminação com pessoas com alguma deficiência.


*Beatriz Paranhos é editora-chefe, redatora, revisora e designer. Atua também na produção de conteúdo e na gestão de planejamento das mídias sociais, desempenhando as funções de social media e estrategista digital.

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