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Envelhecer durante a Pandemia: A luta para contemporizar seus entes queridos durante uma Crise Sanitária Global

  • Foto do escritor: Matheus Rocha
    Matheus Rocha
  • 28 de mai.
  • 14 min de leitura

Atualizado: 2 de jun.

Antônio José em histórias de sua vida - Imagem gerada por Matheus Rocha via ChatGPT.
Antônio José em histórias de sua vida - Imagem gerada por Matheus Rocha via ChatGPT.

Por Matheus Rocha*



audiodescrição


Salvador é uma cidade litorânea, marcada pela variabilidade do tempo e tudo pode mudar em um piscar de olhos. É costumeiro testemunhar em um único dia: o céu azul anil com belas nuvens às sete, aguaceiro às nove e de repente, um sol escaldante às doze. Nos dias chuvosos é típico escutar comentários de pedestres a caminho de pontos de ônibus, protegidos sob seus guarda-chuvas. Enquanto a água goteja sobre os calçados, o silêncio enfim é vencido: “Poxa está chovendo.” Alguém, assimila a obviedade e responde: “E daí você é de cuspe ?”


Mas, em setembro de 2020, não era o clima instável que mais inquietava a  cidade.  Por mais que tenha chovido acima da média — cerca de 87 milímetros de chuva ao longo de dezessete dias — não houve nenhuma tempestade capaz de causar acidentes que prejudicassem a população. A verdadeira anormalidade vinha de outro lugar: naquele momento de início de mês, a população baiana deparava-se com uma Pandemia tendo uma taxa de ocupação de 48% dos leitos hospitalares dedicados para pacientes da Covid-19. Nesse ínterim, a gestão municipal via uma luz no horizonte e já considerava que esses números poderiam iniciar mais uma série de reaberturas de estabelecimentos fechados no Lockdown.

 

Desde julho, o município já esboçava a  possível retomada das atividades comerciais à medida que houvesse melhoras  nos dados epidemiológicos. Via decreto publicado em diário oficial a ocupação dos leitos das UTIs precisava atingir uma taxa menor ou igual a 75%, só assim seria possível fazer a retomada parcial das atividades em shoppings, comércios, templos religiosos e drive-ins.  No total para a implementação da primeira fase, foram definidos 91 protocolos para esses estabelecimentos, dentre eles: a remoção de assentos em áreas comuns de centros comerciais, limite de público em missas e cultos, disponibilização de álcool em gel espalhados por agências e lojas.

 

A segunda fase, prevista para agosto, incluía a reabertura de academias, bares, padarias, clubes e museus, seguindo 156 protocolos de saúde. Um dos critérios era a queda da ocupação hospitalar para 70%. Ainda assim, a gestão decidiu adiar. A reabertura só aconteceu quando a taxa caiu para 59%, e foi agendada para depois do feriado de 10 de agosto — uma segunda-feira — a fim de evitar aglomerações no Dia dos Pais.

 

Já no mês seguinte, passou-se a discutir a implementação da terceira fase, que traçava os planos de funcionamento dos parques de diversões, cinemas e teatros. Os dados de 1º de setembro revelavam uma queda de 11% na ocupação dos leitos em comparação com o período de liberação da segunda fase, o que deu força à proposta. No entanto, isso não significava uma contenção definitiva do vírus. Na sexta-feira, dezoito de setembro, a prefeitura de Salvador, sob a gestão de ACM Neto, decretou mais um passo no processo de flexibilização: autorizou a reabertura controlada de algumas praias da cidade.

 

O decreto só teria efeito a partir da segunda-feira e previa regras específicas para o uso das praias. Três delas — Porto da Barra, Buracão e Paciência (no Rio Vermelho) — permaneceriam interditadas. Já as praias de São Tomé de Paripe, Tubarão, Ribeira, Amaralina e Itapuã poderiam ser frequentadas de terça a sexta-feira, sem restrição de horário, exceto em feriados, quando voltariam a ser fechadas. As demais praias da capital seguiriam as mesmas regras, com liberação de segunda a sexta-feira e interdição nos feriados.


Naquela mesma semana, cerca de 2212 pessoas foram contaminadas e 50 morreram em decorrência do vírus. Mas, não havia nada que contivesse o retorno fora de hora para as faixas de areia. No primeiro final de semana, depois do anúncio oficial da liberação começou uma verdadeira algazarra: presença expressiva de ambulantes, formação de aglomerações e episódios de tensão entre frequentadores e agentes públicos.

   

O noticiário local, em veículos como G1 Bahia, Correio, Bahia Notícias e A Tarde reportaram um caso de violência em Amaralina.  Na manhã daquele domingo, dia vinte, acontecia a operação  “Tira o pé da areia”.  Seu principal objetivo era que a guarda civil soteropolitana  mantivesse o cumprimento dos decretos municipais de restrição ao uso das praias devido à pandemia da Covid-19. No meio desse processo, agentes da GCM (guarda civil metropolitana) abordaram um grupo que praticava futebol na praia de Amaralina, nas proximidades do Quartel do Exército Brasileiro.

 

Segundo nota divulgada pela corporação, “(...) um homem, contrariado por ocasião da proibição da prática esportiva (futebol), desacatou a guarnição, proferindo palavras de teor ofensivo”.


No dia 21, quando a liberação das praias passou de fato a valer, a cerca de cinco quilômetros de Amaralina, Antônio José Pacheco Guimarães estava internado no Hospital da Bahia com um quadro de infecção urinária. O acesso a visitas era restrito. Enquanto a filha de Antônio estava no Rio de Janeiro, sua esposa e a funcionária da casa se revezavam para acompanhá-lo durante as noites, como podiam, em turnos discretos de cuidado e afeto.


Na noite daquele dia, recebeu uma ligação abrupta de sua irmã mais velha, preocupada com seu estado de saúde. Antônio garantiu que estava bem, mas quis saber se seus pais, Eunice e Flaviano, já sabiam da internação. Talvez pelo quadro delicado — ou pela Covid-19 que contraíra dentro do próprio hospital — começava a apresentar falhas de memória. Seus pais, na verdade, já haviam falecido há bastante tempo.


Precisamos falar sobre  Antônios e Josés.


A última atualização sobre os nomes mais frequentes no Brasil, divulgada pelo Censo em 2010, revela traços marcantes da identidade cultural nas grandes cidades. Em Salvador, à época, havia 8.479 Antônios e 11.103 Josés nascidos na década de 1950. Na lista de popularidade da capital baiana, os dois nomes ocupavam, respectivamente, o primeiro e o segundo lugar entre os registros de indivíduos do sexo masculino. Juntando todas as faixas etárias, eram cerca de 87 mil Antônios e Josés espalhados pela cidade.


Antônio José recebeu logo na certidão os dois nomes mais comuns. Mas, para a família Guimarães, as onze letras de seu nome não diziam tanto quanto o apelido carinhoso que o acompanharia por toda a vida: Toinho.


Ele nasceu na década de 1950 e cresceu no bairro da Barra, numa casa de dois andares na Rua Aracaju. Tem três irmãos e foi o primeiro filho homem da família. Desde muito jovem, chama atenção pelo porte físico corpulento — lembra, curiosamente, uma improvável fusão entre as feições do ator americano Christopher Walken e o tipo físico de Tony Soprano, um mafioso ítalo-americano da série da HBO. Toinho fala pouco e, em ocasiões sociais, costuma vestir camisas polo acompanhadas de sandálias alpercatas, mas está longe de parecer um gângster. Os suspensórios que o acompanharam por quase toda a vida, não eram uma escolha estética: usava-os por necessidade, devido ao peso.


 Em deslocamentos de carro é muito difícil que rompa seu silêncio por escolha própria. Só abre algumas exceções quando algo chama muito a sua atenção. Por exemplo, ao transitar  pelas Sete Portas, em um dia de sorte é possível que ele faça breves comentários sobre o bairro. Registra para seu ouvinte que na região onde atualmente fica a Cesta do Povo, na Rua Cônego Ferreira, já foi o térreo da Estação Armando Viana, a primeira rodoviária da cidade. E que na época a construção foi  cumprimento de uma promessa de campanha feita pelo governador Lomanto Júnior.


Quando tem vontade de conversar, consegue articular explanações sobre vários assuntos e correlacionar com momentos relevantes em sua vida. Alguns tópicos e histórias são recorrentes: música e Fórmula 1.


Ainda jovem, corria de kart em uma pista improvisada no Jardins dos Namorados e depois com a construção do Kartódromo municipal passou a correr no Stiep. Admirava a maneira de guiar de Emerson Fittipaldi, mas inesperadamente diz que tem uma história com Ayrton Senna. “Ayrton Senna e Walter Travaglini  vieram convidados para testar a pista para o campeonato brasileiro de 1982, mas  entre 78 e 79 participaram de uma corrida aqui em Salvador. Daí criaram o Torneio Aberto de Verão, para a gente poder fazer uma corrida com eles. E foi aí que a gente conheceu ele.”


Algumas coisas são fato: nessa época Toinho tinha 28 anos e de fato possuía um Kart. E que no dia 14 de janeiro de 1979 fazia chuva e o então adolescente Ayrton Senna, com apenas 18 anos, correu pela primeira vez em Salvador. O Jornal A tarde na edição do dia 21 de janeiro, registrou o momento no Caderno de Turismo e Automobilismo, na página 8, em uma reportagem histórica onde já era possível perceber seu domínio sob as intempéries, marca registrada do futuro campeão da Fórmula 1.


“Com a pista do Kartódromo seca, não se podia perceber claramente a habilidade dos dois pilotos paulistas mas, assim que a chuva começou a cair e a pista ficou escorregadia, o público aplaudia de pé a habilidade dos campeões. Na segunda bateria, Airton Senna largou na penúltima posição e sob os olhares assustados de todos que estavam no Kartódromo, ele foi ultrapassando um por um dos participantes e antes da décima volta, já estava em primeiro lugar até receber a bandeirada da vitória.”


Na infância, Toinho era ouvinte assíduo dos programas clássicos da era de ouro do rádio, como os concursos de calouros comandados pelo compositor mineiro Ary Barroso. Já em sua adolescência, aproximou-se das sonoridades da Jovem Guarda e do rock and roll. Inspirado em seu ídolo Elvis Presley, decidiu aprender a tocar guitarra. Embora lembre-se de poucos detalhes desse período, guarda com orgulho a lembrança de ter sido convidado para tocar em uma banda que se apresentaria em uma festa no Colégio Ypiranga — e que, graças ao instrumento, conseguiu arrumar uma namorada.


Carlos Frederico, seu sobrinho, de 57 anos, foi um dos grandes beneficiados da criatividade do tio. Quando tinha entre oito e dez anos, costumava brincar na casa da avó. Lá Toinho montava réplicas de autódromos usando cartolina. Ele desenhava os contornos das pistas com riqueza de detalhes: indicando as curvas, as retas e áreas de ultrapassagem. Para a brincadeira, também fazia carrinhos com lascas de madeira que lixava e pintava. Tudo de forma artesanal.


Os movimentos ficavam a cargo da imaginação  de Carlos. “As lascas, assumiram na minha cabeça o lugar de possantes, já que ele as pintava com cores das equipes de Fórmula 1. A pista na verdade, também tinha marcações de casas como em um jogo de tabuleiro. E cada movimento só podia ser feito a partir do lançamento de dados. Também arrisca dizer que talvez a criatividade seja algo de família: “Acho que essa habilidade e criatividade ele herdou de minha avó Eunice. Quando eu era pequeno ela fazia fantasmas de papel para afastar a chuva. Depois pedia para que nós, seus netos, prendêssemos com água nas janelas da sala. Então, cantávamos uma música, que era mais ou menos assim: Santa Clara clareou, São Domingo alumiou, vai chuva vem sol, vai chuva vem sol. Pra enxugar o meu lençol!”


Antônio José Pacheco Guimarães, às vezes pode ser um homem irredutível. Quando entrou em contato falando da UTI com sua irmã mais velha no dia 21 de setembro de 2020, já estava com um quadro grave de infecção urinária. E só recebeu alta em meados de novembro. Sua filha Karin Guimarães, que morava no Rio de Janeiro se atualizava das informações da saúde do pai, sempre que possível. Para ela, seu quadro de saúde não era exatamente uma novidade.


Em 2019, seu pai foi internado duas vezes pelo mesmo motivo. Toinho sofre de hiperplasia da próstata — uma condição em que o crescimento anormal da glândula comprime o canal urinário e dificulta a passagem da urina. Para que melhorasse precisava tomar medicamentos com uma certa regularidade, mas sua resistência veemente complicou  sua condição. Em um curto período, entre um ano e outro, foi internado três vezes, contraiu Covid-19 e sofreu sequelas que na época comprometeram sua respiração e  mobilidade.


No hospital, ficou claro para a família que a retomada para casa traria novos desafios. Ainda no Hospital da Bahia, a assistente social chamou  atenção para o fato dele não ter dimensão da gravidade de seu estado de saúde e insistir em não tomar os remédios. Karin aponta que isso acendeu alguns alertas e assim que o pai teve alta ela retornou a Salvador, para ajudar em seus cuidados.


A volta para casa foi complicada e não durou muito tempo. Na Barra as condições não eram apropriadas: faltava um banheiro adequado, o acesso à casa tinha muitos lances de escadas e a rampa do estacionamento mal podia entrar sequer um carro. E naquele momento era importante contar com um espaço mais acessível para os cuidados de seu pai, que ainda estava usando cadeira de rodas.


Para preservar ao máximo a rotina dele, sua filha procurou um lar de idosos que fosse próximo aos familiares e, ao mesmo tempo, localizado a uma distância conveniente de unidades de saúde onde ele pudesse realizar seus exames de rotina. Encontrou um bem localizado chamado Sete Maravilhas, situado no bairro do 2 de Julho.


O estabelecimento tinha uma fachada simpática, era envolto em um muro com textura que simulava blocos. Transmitia um ar de antigo, que contrastava com os azulejos amarelos que demarcavam a divisão entres os andares. A entrada contava com um grande portão amarelo. O que de fato chamava a atenção não era a ausência de uma placa, mas sim a presença de uma sinalização inusitada: a imagem de um cachorro, semelhante a um buldogue, segurando garfo e faca, acompanhada do letreiro com os dizeres "Cuidado! Cão Anti-Social."  Por mais que a primeira vista não parecesse se tratar de um espaço voltado ao cuidado de idosos, no Facebook da instituição constava que: “atendemos pessoas acima de 60 anos, portadoras de deficiências como: diabetes, Alzheimer, AVC, cardiopatia e outros.”


Toinho iniciou seus primeiros passos de recuperação no 2 de Julho. Ainda assim, permaneceu pouco tempo no local, já que o funcionamento foi interrompido devido a necessidade de realização de uma reforma. Em 2021, já em meio a pandemia, com autorização de sua filha, foi transferido para uma filial da mesma proprietária, em Lauro de Freitas. Lá, seguiu com a recuperação normalmente: fazia fisioterapia pelo plano de saúde, e os profissionais responsáveis mantinham a família informada sobre seu estado de saúde por meio de mensagens no WhatsApp. Com o tempo, passou a se locomover com o auxílio de um andador.


Nesse meio tempo, ele se adaptou a uma dieta mais balanceada e acabou perdendo bastante peso. No dia 2 de fevereiro, recebeu a vacina contra a Covid-19 no próprio lar de idosos. Foi um choque positivo para a filha receber uma mensagem informando que, na última consulta médica, o pai estava com peso na faixa dos dois dígitos. Na foto registrada em 30 de junho, o visor da balança indicava exatamente 86,75 kg.


Nem tudo eram flores no Lar Sete Maravilhas, em Lauro de Freitas. Apesar da aparência tranquila, a instituição entrou na mira do Ministério Público da Bahia (MP-BA) em novembro de 2021, após uma denúncia do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa. Segundo publicação no Caderno 1 do Diário da Justiça Eletrônico, em 23 de novembro de 2021, o Ministério Público instaurou um procedimento para: “apurar denúncia de funcionamento irregular da Instituição de Longa Permanência para Idosos Lar 7 Maravilhas, tida por interditada”. A promotora Ivana Silva Moreira,  registrou a abertura de conversão da Notícia de Fato  em Procedimento Administrativo, o que marca o início oficial de uma investigação.


No ano seguinte, em 26 de maio, uma operação coordenada pela Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS), por meio do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Idosa, resultou na interdição do abrigo Sete Maravilhas, que na época acolhia 11 idosos.



Quando a Secretaria divulgou o resultado da ação por meio de uma matéria da comunicação e a fiscalização, argumentou que encontrou: o ambiente sem suportes para idosos, alimentos vencidos, mau cheiro e condições insalubres.


“O Lar Sete Maravilhas não atende nenhum parâmetro. Uma casa de acolhimento, denominada ILPI, sem alvará de funcionamento e sem registro no conselho do idoso, ou seja, sem qualquer registro para funcionar como instituição de longa permanência nem abrigar idosos. A estrutura sem acessibilidade e sem quadro de colaboradores para atuar como uma instituição desse porte. A denúncia chegou de forma anônima”, afirmou Hilda Maria Sanches, presidente do Conselho dos Idosos de Lauro de Freitas. 


Concluída a ação os 11 idosos foram encaminhados para a Casa de Repouso Samayra em Cajazeiras. Toinho explica que na época não testemunhou a interdição, mas relata os desdobramentos da mudança: “Pegaram a gente e pediram para  arrumarmos as nossas coisas. Aí de noite a gente entrou na Kombi com as coisas que tinha na hora. Eu possuía um saco que guardava minha Bíblia e algumas outras coisas. Daí levaram a gente para outra casa em Cajazeiras, lá o primeiro lugar que a gente ocupou era uma antiga garagem transformada em um lugar para abrigar os idosos. Depois fomos para uma outra parte da casa, em que tinha umas duas camas.”


Do Rio de Janeiro, Karin não  conseguia entender o motivo de não conseguir entrar em contato com o pai, até que recebeu uma mensagem no celular.


“Quando chega um belo dia, eu tenho uma surpresa de não conseguir entrar em contato com meu pai de jeito nenhum. Mais cedo, a proprietária dos Sete Maravilhas tinha me avisado que ele estava tomando banho, e estranhamente me pediu para mandar um resumo sobre o estado de meu pai, descrevendo como ele era tratado. Nesse meio tempo, a senhora Lúcia Mascarenhas, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Idosa, entrou em contato comigo. Disse  que tinha acontecido uma operação e que meu pai havia sido enviado para um lar em Cajazeiras. Depois disso, liguei para a proprietária do Lar Sete Maravilhas que falou para mim que todos os idosos tinham sido transferidos para outra casa. E que ela, então, não tinha mais responsabilidade por ele.”


Mesmo distante teve que se mobilizar para que seu pai fosse transferido de Cajazeiras. De fato a Casa de Repouso Samayra cumpria as determinações governamentais, mas não atendia suas preferências. A localidade ficava muito longe de seus familiares que poderiam o ajudar em uma eventual necessidade de socorro. Para a transferência comenta que seguiu alguns procedimentos:


“Tive que solicitar autorização da Secretaria Estadual do Idoso e do Ministério Público para transferi-lo para outra unidade credenciada. Eles autorizaram a ida para o Lar Maria de Lourdes. Mesmo após a transferência, o Ministério Público e a Secretaria continuam acompanhando. Vão até o local, verificam se ele está fazendo exames, se vai ao médico, se a medicação está correta, se há acompanhamento familiar e se a estrutura da casa é adequada. Tudo precisa ser monitorado de perto, porque qualquer ocorrência envolvendo um idoso ou uma criança exige atenção imediata.” 

Para concluir a mudança, ela conta que precisou enviar a documentação ao novo lar, junto com um termo de responsabilização pela retirada do pai da casa em Cajazeiras, informando o nome do responsável e a data em que ele faria a retirada.

 

Pacheco quer sossego


Toinho agora mora no segundo andar do Lar Maria de Lourdes, cujos quartos são destinados aos homens. Quando deseja, vai ao pátio do pavimento apreciar a vista que dá para o centro histórico. O local é acolhedor, rodeado por uma área verde agradável, onde frequentemente circula uma brisa e se escuta o canto dos pássaros.

 

Logo na entrada, existem duas rotas para acessar o espaço: uma via rampa que leva até o acesso do elevador ou por meio do portão que te deixa na recepção. Nos finais de semana, o lugar costuma receber visitas e muitas ligações de familiares querendo saber de seus entes queridos. Na ausência de Kelli Santos, a gestora responsável pelo estabelecimento, os recepcionistas administram os primeiros contatos, as reclamações e demandas das famílias.


A instituição existe há cerca de dez anos e suporta um total de trinta e um idosos que podem ser  distribuídos entre oito quartos. Até o momento, administram vinte e cinco idosos, e para organizar isso tudo dependem da colaboração de quinze funcionários distribuídos entre: cozinha, rouparia, gerência, apoio, recepção  e enfermagem.


A enfermeira responsável chama-se Regina Vasconcelos, chegou ao lar a pouco tempo. No entanto, já colaborou com a gestora antes em outros trabalhos. Tem estatura média, usa um salto alto e ao falar articula bem as palavras. Trabalhou em outras instituições, tendo inclusive exercido assistência de enfermagem em UTI e emergência, mas hoje prefere trabalhar com idosos. “Eu gosto de trabalhar com idosos, até porque tenho uma mãe idosa. A população de idosos está crescendo e a gente precisa ter um olhar diferenciado sobre essas pessoas, principalmente os acometidos pelas doenças senis. A gente que presta assistência se sente um pouco impotente, por não poder ajudar nesse quadro, mas a gente procura dar conforto para esses idosos.”


O Lar Maria de Lourdes, até o momento parece ter estabelecido uma boa relação com a Família Guimarães. Karin aponta que hoje tem outras preocupações: "Eles sabem como lidar com uma situação emergencial e contam com uma nutricionista para garantir o equilíbrio alimentar. Eu até poderia levá-lo a uma nutricionista pelo plano de saúde dele, mas aí, eles já oferecem um acompanhamento nutricional dentro do próprio lar, com refeições preparadas levando em conta as necessidades específicas de cada idoso. Tenho um controle por aplicativo dos medicamentos que eu peço para comprar e entregar para ele, mas, independentemente do meu aplicativo, eles avisam. O  controle  do medicamento   cabe à instituição. Eles vão lá,   entregam o remédio  na mão do idoso e verificam se o idoso tomou.”


Vai fazer três anos que Toinho — agora mais conhecido como Pacheco — vive no segundo andar do Lar Maria de Lourdes, em Brotas. Divide o quarto com outros dois senhores, mas segue sendo o carpinteiro do próprio universo: escuta música, pesquisa história e só dá trela quando quer.  No último encontro com um familiar,  ouviu do sobrinho Carlos:


Você gostava de dirigir, não era, Toinho? Me lembro de pegar carona com você. E você gostava de pisar fundo, gostava  de correr!


Toinho respondeu, sem tirar os olhos da televisão e num momento raro lançando uma risadinha:


Eu corria, mas corria com técnica!


*Matheus Rocha é editor-chefe, produtor de conteúdo, redator e revisor. Atua também como responsável técnico pelo site.

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