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Offline na escola: como a proibição de celulares impacta a saúde mental e o aprendizado de jovens e adolescentes

  • Foto do escritor:  Maria Vitória
    Maria Vitória
  • 24 de nov.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 29 de nov.

Foto: Acervo pessoal
Foto: Acervo pessoal

Por Maria Vitória

Offline na escola como a proibição de celulares impacta a saúde mental e o aprendizado de

É hora da aula na Escola Municipal Jardim Santo Inácio, em Salvador. Os celulares, que antes eram protagonistas constantes nas salas de aula, agora dormem em silêncio dentro das mochilas. O som das notificações deu lugar às vozes dos alunos, mais presentes e, às vezes, inquietos com a nova rotina.

“No começo, foi difícil ficar sem o celular. Sou muito apegado ao aparelho, mas percebi que estava me distraindo demais. Agora consigo me concentrar melhor e minhas notas melhoraram” admite Arthur Santana de 14 anos.

Desde que o Ministério da Educação aprovou a Lei nº 15.100/2025, que restringe o uso de celulares em escolas públicas de todo o país, instituições de Salvador vêm se adaptando às novas regras. A medida reacendeu o debate sobre os efeitos da hiperconectividade na saúde mental e na aprendizagem, um tema que divide opiniões entre estudantes, professores e especialistas.


Entre a conexão e o controle: o que diz a lei? 


Publicada em 13 de janeiro de 2025, a Lei nº 15.100 proíbe o uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante as aulas, exceto quando o professor autoriza seu uso para fins pedagógicos. A decisão foi embasada em pesquisas que associam o uso excessivo de telas à dispersão, à queda no rendimento escolar e ao aumento de sintomas de ansiedade e depressão entre adolescentes.


O ministro da educação Camilo Santana, em depoimento para o Ministério de Educação afirmou que “o objetivo da lei não é proibir o uso de celulares, mas proteger nossas crianças e adolescentes por meio da restrição a esses aparelhos”.


Segundo dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil, após o primeiro semestre de vigência da medida, o número de adolescentes que acessam a internet durante o horário escolar caiu de 51% (2024) para 37% (2025). Especialistas apontam que a restrição tem potencial de melhorar a atenção e o convívio social, mas ressaltam que o impacto na saúde mental depende de um processo mais amplo de conscientização.


No entanto, o Brasil não está sozinho nesse movimento. A cada quatro países, um já adotou medidas restritivas ao uso de celulares nas escolas, de acordo com o Relatório Global de Monitoramento da Educação (UNESCO), reconhecendo a urgência de equilibrar a presença digital com o bem-estar estudantil. Por aqui, o desafio ainda é aprender a aplicar a lei sem transformar a escola em um território de repressão — e sim de reeducação digital. 


Entre disciplina, diálogo e a falta de apoio familiar 


Se para os alunos a mudança é sentida na rotina, para professores e gestores o impacto é estrutural. Na Escola Municipal Jardim Santo Inácio, o diretor Arivaldo Bispo lembra que o primeiro passo foi chamar toda a comunidade escolar para conversar. “Reunimos professores, coordenação, vice-gestão e depois os pais. Lemos a lei juntos e discutimos a importância da medida. Os pais assinaram um termo se comprometendo a ajudar no controle”, explica.


A estratégia deu resultado — ao menos em parte. “Desde a primeira unidade, houve avanço nas aulas. Os alunos ficam mais concentrados e interagem melhor”, relata Arivaldo. Mas ele reconhece que o cenário não é uniforme: “Os do 8º e 9º ano tentam burlar as regras. E quando a família não coopera, fica muito mais difícil.”


A falta de apoio familiar aparece também no relato da professora de matemática Flora Machado, que há anos enfrenta o dilema entre usar o celular como ferramenta pedagógica e lidar com o mau uso pelos estudantes.

“Eu sempre usei o celular em aula para fins pedagógicos, mas eles acabam desviando para outras coisas”, conta. “Já tive sérios problemas. Teve um dia em que tomei o celular e fui chamada de bruxa por um responsável. Depois disso, nunca mais fiz apreensão. Oriento, mas não tomo.”

Flora defende que a proibição precisa vir acompanhada de esclarecimento: “Só proibir sem explicar não funciona. O aluno precisa entender o motivo. A escola não pode agir sozinha — se a família permite o celular sem limites, a gente não se dá conta.”


Ainda assim, ela observa melhora no desempenho:

“Esse ano, os alunos do 9º ano estão mais comprometidos. O interesse no IFBA (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia) cresceu. Eles pediram aulas de revisão, foram visitar o campus... Vi responsabilidade que não via antes.”

Mas nem tudo são flores: alguns estudantes, antes acostumados a se manter acordados por estímulos digitais constantes, agora dormem nas aulas. “Saiu de um problema e foi para outro”, diz a professora. “Estou sempre tentando fazer aulas diferenciadas para trazer esses meninos de volta.”


Entre avanços e desafios, as escolas vivem o equilíbrio delicado entre orientar, mediar conflitos, evitar tensões com as famílias e, ao mesmo tempo, manter o foco no que realmente importa: garantir que o ambiente escolar seja um espaço de aprendizagem e não de disputa pelas telas.


Foto: Acervo pessoal
Foto: Acervo pessoal

Conexões que aproximam, mas também adoecem


Se para escola e família o desafio é disciplinar,  para a Psicologia o problema é mais profundo: trata-se de uma geração que está crescendo sem experimentar plenamente o contato humano. A estudante de Psicologia Rivany Ribeiro, ouvida pela reportagem, resume esse cenário de forma direta:

“Jovens cada vez mais afastados do afetivo. Não interagem mais de forma presencial. Não existe o toque, o abraço, o carinho e reciprocidade.”

O uso excessivo das redes sociais compromete não apenas a concentração, mas também a qualidade das relações. Segundo Rivany, muitos adolescentes substituem interações presenciais por conexões virtuais, criando um distanciamento que interfere no cotidiano:

“A comunicação fica caótica, o distanciamento físico, a desconexão do normal, que é manter relações afetivas.”

Esse distanciamento ajuda a explicar o aumento de sintomas como ansiedade, estresse e queda de autoestima entre adolescentes hiperconectados. Rivany ressalta que a tecnologia, por si só, não é o problema, mas a forma como tem sido usada.

“Embora a tecnologia em si não seja intrinsecamente negativa, o uso excessivo e sem limites pode contribuir para esses sintomas. A chave é encontrar um equilíbrio saudável, monitorando o tempo de tela e criando espaços para desconectar e cuidar da saúde mental.”

Na escola, os efeitos aparecem de maneira ainda mais evidente. Quando o estudante se distancia das relações presenciais, perde também parte do apoio emocional necessário para enfrentar a rotina acadêmica. Rivany explica que esse isolamento impacta diretamente o rendimento escolar.

O uso excessivo das redes sociais pode afetar a vida social do estudante, principalmente se ele começar a se afastar das interações presenciais, preferindo as interações virtuais. A falta de um apoio social real pode levar a uma queda na motivação para os estudos, já que o estudante pode se sentir desconectado das pessoas ao seu redor. Esse isolamento pode afetar sua disposição para enfrentar os desafios escolares.”

Nesse contexto, a proibição do celular nas escolas surge como alternativa possível, mas limitada: “Pode ser uma solução a curto prazo”.

Diante desse cenário, ela reforça que políticas educativas mais amplas são indispensáveis. A formação emocional e digital deve ocupar o centro do debate dentro e fora das salas de aula. 

 “A educação digital e emocional deve ser uma prioridade para ajudar os estudantes a desenvolverem habilidades de autocontrole, empatia, concentração e bem-estar, criando um ambiente saudável tanto no mundo físico quanto digital.”

Para isso, profissionais de Psicologia desempenham papel fundamental. Eles podem atuar oferecendo acolhimento, orientação e mediação, justamente no espaço onde os conflitos, muitas vezes, aparecem com mais força: 

“Por meio de ações de suporte, conscientização e intervenção. Na escola pode oferecer acompanhamento individualizado, onde o aluno expõem suas dificuldades emocionais e acadêmicas, muitas vezes relacionadas ao uso da tecnologia. Trabalhar também na mediação de conflitos e prevenção de bullying.”

Apesar da naturalidade com que lidam com as telas, os jovens não desconhecem os riscos da hiperconectividade. Eles convivem com esses efeitos todos os dias. Rivany observa que, mesmo vendo o digital como parte do “normal”, os adolescentes têm consciência das consequências.

“Os jovens veem a hiperconectividade como algo normal, mas vivenciam uma conscientização plena sobre seus impactos negativos. Eles sabem das consequências psicológicas, como ansiedade, depressão e dificuldade de concentração que a hiperconexão pode gerar.”

A análise reforça um ponto crucial: desconectar o aparelho é apenas o primeiro passo. O desafio maior é ajudar esses jovens a se reconectarem com aquilo que nenhuma tela pode substituir: a presença, o afeto e a compreensão de si mesmos.


Desconectar para reconectar 


A proibição dos celulares nas escolas de Salvador ainda está em fase de amadurecimento, mas seus efeitos começam a aparecer: há mais concentração em sala, mais participação e, em alguns casos, até mais responsabilidade pelos estudos. Professores relatam melhora no desempenho; gestores observam interações mais saudáveis; e muitos alunos, apesar da resistência, reconhecem o impacto positivo do afastamento momentâneo das telas.


No entanto, nenhum desses avanços se sustenta sem um elemento-chave: a participação das famílias. Quando o controle vem apenas da escola, a regra vira disputa. Quando escola e família caminham juntas, a mudança se torna hábito.


O caminho ideal não é a proibição absoluta, mas a construção de uma cultura de uso consciente da tecnologia — uma educação digital que ensine limites, empatia, foco e autocuidado. É nessa direção que escolas públicas de Salvador começam a trilhar seus primeiros passos.


Desconectar, afinal, não é apenas guardar o aparelho — é reaprender a estar presente.

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