Endometriose: os desafios e perspectivas de uma doença que não tem mais tanto mistério assim
- Beatriz Paranhos

- 24 de nov.
- 11 min de leitura
Atualizado: 30 de nov.
A dualidade de uma doença não mais desconhecida, mas há um longo passo para se tornar majoritariamente reconhecida e acessível na sociedade.

Por Beatriz Paranhos
A endometriose, durante anos passou por falta de capacitação na área e seus mistérios eram muitos. No entanto, com estudos mais aprofundados e o avanço da medicina, a doença deixou de ser um mistério no meio científico.
Ainda que o mistério tenha sido desvendado no científico, aos poucos, para a população, ele vem sendo desmistificado também, por meio de iniciativas variadas que tornam o conhecimento científico, neste caso, a informação sobre a doença endometriose, mais próxima do público.
O acesso à informação, ainda que com as redes sociais, é facilitado para pessoas de classe média à alta. Com isso, para compreender os avanços no reconhecimento da endometriose, ainda que não fossem em todas as comunidades e situações de renda, que a Revista Caderneta realizou uma amostra com 35 mulheres.
Na pesquisa, constavam mulheres pertencentes à classe B e C, entre 18 e 60 anos, sendo 5 portadoras da doença. Dentre as 35, apenas 13 sabiam que o mês que destina uma data à mulher, dia 08 de março, também é o mês de conscientização aos cuidados com a endometriose. Sendo dentre as treze, três portadoras da doença.


No entanto, ainda que o desconhecimento de iniciativas como a endometriose aconteça, o reconhecimento da doença já é mais efetivo.
Na mesma amostra, a Revista Caderneta também perguntou sobre o conhecimento da doença, e dentre as 35 mulheres, apenas duas não sabiam de sua existência, sendo uma pertencente a faixa etária de 20 a 30 anos; e a outra com mais de 50 anos.

De acordo com a Associação Brasileira de Endometriose, entre 10% e 15% das mulheres em idade reprodutiva portam da doença. Ainda que muitas outras vítimas da endometriose não sejam acometidas nestes números por um diagnóstico que ainda não aconteceu.
E já que há um maior conhecimento da doença, o que falta para que o acesso seja efetivo?
O que dói tanto assim?

A endometriose é uma doença que proporciona o desenvolvimento da camada uterina, chamada de endométrio, em outras partes do organismo feminino (fora do útero).
Alguns de seus principais sintomas são: dores, especialmente cólicas fortes (dismenorreia); possibilidade de infertilidade; alterações no sistema digestivo, constipações e/ou diarreias; inchaços e retenção de líquidos.
O surgimento da doença acontece em outras áreas que não o útero, e ocasiona um comportamento semelhante ao endométrio e suas variações hormonais, conforme o ciclo menstrual.
Ou seja, quando chegar a época da menstruação, as áreas atingidas pela endometriose sofrerão comportamentos parecidos aos que acontecem no endométrio – tecido que reveste a parte interna do útero.
Assim, inflamações, fibrose e possíveis cicatrizes são comuns, e tornam o corpo suscetível aos sintomas, especialmente a infertilidade e as dores.
De forma mais esclarecedora, a ginecologista da rede particular/privada, Fernanda Medeiros, explica:
“O útero tem 3 camadas, uma mais interna chamada endométrio - a que descama todo mês na forma de menstruação; uma intermediária chamada miométrio - musculatura do útero; e a mais externa - chamada serosa”.
Detalha, Fernanda:
“Endometriose é uma doença onde esse endométrio, ao invés de apenas sair do corpo na forma de menstruação, vai para a região pélvica e resultando em um processo inflamatório intenso local”.
Há variadas regiões a serem contempladas pela doença na paciente. Logo, o problema de saúde pode ser classificado em três espectros diferentes: Endometriose superficial ou peritoneal; Endometriose ovariana; e Endometriose infiltrativa profunda.
Endometriose superficial ou peritoneal – aquela tem “flocos” de endométrio no peritônio, uma espécie de pele que recobre os órgãos da região pélvica.
Endometriose ovariana – aquela que compromete a superfície do ovário e forma cistos chamados endometriomas.
Endometriose infiltrativa profunda – aquela que penetra na parede do intestino; é o tipo mais grave.

Como reconhecer?
"O principal sintoma é a cólica menstrual intensa e progressiva. Devemos valorizar e investigar toda jovem com essa queixa. Dizer que cólica é normal e que melhora depois da gravidez é ter uma grande chance de atraso no diagnóstico da endometriose”, instrui Fernanda, ginecologista.
O primeiro passo para que o reconhecimento aconteça, é o cuidado frequente com a saúde. Observar como seu organismo e corpo se comporta é uma das maneiras de virar a chave para o diagnóstico precoce. Mas, a ida ao médico especializado, neste caso, o ginecologista, é efetiva no processo de identificação da doença.
Há alguns exames que possibilitam um melhor detalhamento, como a Ressonância Pélvica e a Ultrassonografia para Endometriose.
Entenda mais sobre como funcionam estes exames:
Ressonância Pélvica: Exame que promove imagem detalhada da região pélvica – por meio de ondas de rádio e campo magnético. (Aquele que você passa por um “túnel”).
Ultrassonografia (Usg) para Endometriose: Também conhecido como ultrassom transvaginal, o exame acontece com preparo intestinal – para uma visualização mais nítida do intestino. A Usg conta com o uso de um transdutor endocavitário (sonda de ultrassom) para buscar identificar comportamentos e sintomas proeminentes da doença.
Um processo solitário
Conforme Camila Gasparro, coordenadora de Atenção à Saúde das Mulheres no Ministério da Saúde e portadora desta patologia:
“No Brasil, temos cerca de oito milhões de mulheres com endometriose, com uma demora, em média, de sete anos para conseguir um diagnóstico”, afirma Camila.
Rillyenne de Souza, analista de desenvolvimento humano e profissional, diagnosticada recentemente aos 36 anos, expressa sua indignação por parte do corpo científico, que em seu caso, demorou a cogitar a possibilidade da investigação para a endometriose.
“Fui ao ginecologista, fiz diversos exames, não davam nada. Sempre nesse ciclo, dores, muito fluxo na menstruação. Optei por comprimidos, depois optei pelo DIU, mesmo assim continuou. Aos quase 37 anos, após inúmeras crises, a ginecologista pediu ressonância da pelve, foi quando descobri o quadro de endometriose profunda, já em estágio avançado”, conta Rillyenne.
Questiona-se se parte deste desconhecimento é sintoma de uma falta de comunicação na saúde para e com a população, em que a divulgação da endometriose, ainda que aconteça, permanece marginalizada, sobretudo para pessoas em situação de baixa renda.
Os seus efeitos colaterais são a demora de muitos diagnósticos, o que em diversas situações, é bastante dolorosa.
A lentidão em reconhecer a doença também se dá pela falta de investigação. A priori, isso acontecia, prioritariamente, por um descaso na divulgação científica de forma exógena (fora da comunidade científica), mas endógena (dentro da comunidade científica) também.
Ainda que haja pesquisas e diversos projetos vinculados à doença, a endometriose já acumulou muitas lateralidades de estudo, tratamento e identificação da patologia. O que tornou a sua objetividade em um diagnóstico precoce e uma comunicação com a sociedade menos efetivas.
Porém, conforme a ginecologista Medeiros, este cenário, especialmente na comunidade endógena já foi transformado:
“Durante muitos anos, o diagnóstico da endometriose sofreu um atraso pela difusão equivocada da informação de que ter cólica era normal. Além disso, o diagnóstico de certeza era complexo, realizado apenas por biópsias através de procedimento cirúrgico. Com a evolução da medicina, surgiram exames de imagem como ressonância e ultrassom que possibilitam diagnóstico mais preciso e em fases iniciais”.
A ginecologista Renata Victória, que atende também na rede pública, compartilha da mesma perspectiva:
“O diagnóstico de endometriose há alguns anos era mais complicado. Não tinha muitos profissionais capacitados para fazer tal diagnóstico. Hoje essa realidade mudou. A mídia sempre vem batendo. Campanhas de prevenção já existem. E nas redes sociais, muita informação sobre endometriose disponível”.
Por uma outra perspectiva, pacientes que descobriram a endometriose nos últimos anos não tem uma experiência tão satisfatória, quanto o espectro científico e ginecológico compreende a doença no contexto atual.
Letícia Reis, cineasta baiana, que descobriu o diagnóstico há dois anos, aos 22, é um exemplo de uma vítima da doença com fortes dores. E que por muitos ao seu redor, ainda após o seu diagnóstico, suas dores ainda são confundidas com drama ou exagero.
“Foi bem difícil. Eu sempre sofri com muitas dores fortes, todos diziam que era normal, que todo mundo tem cólica. Falavam que era drama para não trabalhar, estudar, que era exagero, que eu era dramática. Depois do diagnóstico algumas pessoas finalmente entenderam a gravidade, já outras não acreditavam, achavam que eu era nova demais para portar o diagnóstico de uma doença como essa”, relata Letícia.
Aos que sabem de sua existência, a endometriose é uma doença conhecida por causar fortes dores abdominais no corpo feminino, as cólicas. Porém, em muitos casos, são confundidas com cólicas menstruais e normatizadas por incômodos em relações sexuais (dispareunia) e possibilidade de infertilidade.
No entanto, a ignorância ou banalização da doença torna a vida de quem porta dela bem mais complexa, já que o processo de reconhecimento e tratamento se torna solitário. Rillyenne, compartilha desta dor:
“É um caminho solitário, afinal como banalizam a nossa dor, acabamos evitando falar que estamos com dores, e desistindo de procurar médicos e ouvir mais do mesmo”, complementa Rillyene.
Lorena Araújo, feirense de 40 anos, que descobriu a doença em 2017. E desde lá, também compreende bem esta solidão, com já 4 cirurgias feitas após seu diagnóstico:
“É frustrante que as pessoas ao nosso redor ainda não têm noção que a endometriose pode ser incapacitante. Outro ponto que é desgastante é toda vez ter que explicar o que é endometriose, as vezes é até mais fácil dizer que está com cólica”.
O tratamento existe

Além de um caminho solitário e a demora a conseguir o diagnóstico, ao reconhecer a doença, ainda são muitas portas a serem abertas.
Ao iniciar o tratamento, uma nova vida começa, afinal, a alimentação, o sono e o psicológico também são fatores que influenciam no controle dos sintomas; e numa maior qualidade de vida para àquelas que portam da endometriose.
De acordo com Fernanda:
“A endometriose é uma doença com caráter inflamatório sistêmico. Adotar um estilo de vida saudável com atividade física, dieta anti-inflamatória e sono adequado são grandes ferramentas no tratamento”.
Esclarece Renata:
“Endometriose é uma doença de caráter inflamatório. Então, tudo que for inflamatório piora a doença. Alimentação saudável e atividade física são os principais tratamentos”.
Complementa Medeiros, para situações mais graves:
“Mulheres que mantem quadro de dor pélvica mesmo em uso de bloqueio hormonal, devem ser avaliadas quanto a indicação cirúrgica”.
Por informações dispostas pelo Instituto de Apoio e Pesquisa à Endometriose (IAPE), é possível entender que a correria do dia a dia pode ser um fator que influencia na piora do quadro: “A endometriose é uma doença da mulher moderna e está relacionada com ansiedade, estresse e depressão, proveniente de uma exaustiva jornada de trabalho dentro e fora de casa”.
A endometriose, ainda que não tenha cura, pode ser controlada para que a patologia não seja a protagonista na vida de quem sofre dela.
Para um tratamento mais funcional, é importante compreender as particularidades da doença em cada paciente. Leva-se em consideração também, especificidades da rotina, em prol de uma maneira de tratamento individualizada e eficiente.
Desmistificando e questionando
Diagnósticos de endometriose no Brasil aumentam 76% desde 2022, conforme dados do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso é um bom sinal para uma ciência que, aos poucos, se torna mais presente na sociedade. Sendo a endometriose um assunto um pouco mais familiar.
É perceptível um esforço para um maior fluxo de pesquisas e um maior aprofundamento na área – que garanta um reconhecimento mais rápido e constante da endometriose –, tanto da comunidade científica, como de quem exerce a comunicação científica. Porém, ainda não são suficientes para que a endometriose se torne comum ao grupo de doenças reconhecidas pela sociedade.
O acesso ao conhecimento desta doença, ainda que superficial, caminha entre quem tem acesso a outras estruturas, e quem também tem a oportunidade de pagar por um tratamento.
“O acesso ao diagnóstico da endometriose ainda é desafiador na rede pública. Ultrassonografia (Usg) de qualidade e ressonância pélvica ainda são quase exclusividade de quem consegue arcar com os custos de forma particular”, declara Medeiros.
Todavia, há perspectivas que compreendem a rede pública como não tão deficitária assim, como é o caso de Renata Victória.
“Não acho que tenha desconhecimento. Inclusive, nos hospitais de referência do estado na rede SUS tem ambulatorio específico de endometriose. Talvez falte mais serviços devido à alta demanda de pacientes”, opina Renata.
Existem propostas, projetos e iniciativas, que nascem de diversas direções, como da comunidade científica e do Poder Público, sendo o Março Amarelo um exemplo.
Conheça mais de algumas das iniciativas prol o reconhecimento e/ou apoio à endometriose:
As redes sociais são grandes facilitadoras de um conhecimento mais acessível, tendo influencers digitais reconhecidas por disseminar informações que tornam a ciência mais próxima da população, como Mari Krüger e, a ginecologista Maju Ferreira.
Lucas Pereira, jornalista soteropolitano, comenta sobre:
“Há uma tendência de melhoria nos próximos anos muito pela facilidade da divulgação de conteúdos, hoje em dia está tudo mais prático, hoje tudo está mais fácil de ganhar repercussão. As próprias redes sociais vêm como este catalisador para veiculação de temas, então hoje não precisa que necessariamente a TV divulgue, por exemplo. A tendência é que haja uma melhora na popularização desta doença”.
Uma outra alternativa seria o fomento ao conhecimento científico com a iniciação de uma maior proximidade com cuidados e prevenções com a saúde desde as escolas. Entretanto, entende-se que este é um cenário ideal, já que o corpo social não consegue ser beneficiado nem com uma educação basilar consistente – com aquilo que já existe no atual sistema.
De acordo com isso, Eveline Santos, de 40 anos, portadora da doença há 19 anos, reitera sobre compreender uma possibilidade de maior compreensão científica, como o reconhecimento da endometriose:
“É urgente que se crie políticas públicas para disseminar informações sobre a doença, incluindo educação nas escolas, visto que a endometriose muitas vezes incapacita adolescentes durante o período menstrual, até de irem às aulas. O mesmo ocorre com mulheres jovens que faltam o trabalho, ou muitas vezes chegam na emergência com cólicas intensas, tomam medicação para dor e são liberadas acreditando que “cólica é normal”. Isso, inclusive, faz muitos casos serem subnotificados – o que sugere que existam muito mais mulheres com a doença sem o diagnóstico, do que temos registros. Por isso, é importante falar sobre o assunto, sempre que possível”, manifesta Eveline.
Esta falta da quebra de silêncio é consequência de um sistema que parece escolher não dar vasão para o acesso à saúde pública, já que o lucro e a ignorância são molas propulsoras de diversos mercados que se aproveitam da desinformação científica.
Há variadas formas de compreender o atual cenário da endometriose, mas a principal delas é a de que o conhecimento da endometriose existe, mesmo que não seja de forma totalitária na sociedade. No entanto, a doença, ainda que com as variadas motivações e incentivos se baseiam em uma compreensão superficial.
A sua quase invisibilidade nasce de muitas perguntas, questionamentos e respostas também, mas muitas das perguntas permanecem incógnitas ou com possibilidades hipotéticas, até porque as realidades são muitas, e o desconhecimento e reconhecimento da doença acontecem de modos completamente diferentes.
Glossário
Endometriose – Doença em que o tecido endometrial é encontrado fora do endométrio.
Endométrio – Tecido que reveste o útero internamente.
Patologia – A ciência que estuda as doenças.
Dismenorreia – Cólicas fortes/intensas.
Dispareunia – Dores durante a penetração na relação sexual.
Fibrose – Acúmulo de tecido, após produção excessiva deste para o reparo de alguma lesão, inflamação ou corte.
Infertilidade – Condição que impede a pessoa de engravidar. Pessoa estéril.
DIU – Dispositivo Intrauterino; método contraceptivo. Material flexível em formato de “T” que é inserido no útero por um profissional da área.
Método contraceptivo – Formas de evitar a gravidez.
Endógeno – Dentro de um grupo, pertence a uma parte.
Exógeno – Fora de um grupo. O todo para além de um grupo específico.
Biópsias – Coleta de amostra de tecido ou células de uma área específica do corpo para análise em laboratório.
Ressonância da Pelve – Exame que promove imagem detalhada da região pélvica – por meio de ondas de rádio e campo magnético. (Aquele que você passa por um “túnel”).
Ultrassonografia para Endometriose (Usg) – Exame de imagem detalhado com preparo intestinal.
Transdutor Endocavitário – Sonda de ultrassom.




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